Monday, August 11, 2008

ERMIONE: UMA CAIXA DE SURPRESAS... SEM SURPRESAS

Sonia Ganassi
Marianna Pizzolato

A ópera de abertura da edição 2008 do ROSSINI OPERA FESTIVAL de Pesaro, é uma nova producção de «Ermione», Azione tragica in due atti deste compositor, sobre um libretto de Andrea Leone Tottola.
Esta producção é uma demonstração de como uma montagem baseada numa cenografia engenhosa e interessante esteticamente, e num muito bom elenco, pode sobreviver.
A primeira coisa que causa impacto no público, antes mesmo de começar o espectáculo é essa «moldura» marmórea, opaca e fechada, iluminada que delimita visualmente o palco. Sobretudo porque durante toda a introdução musical é esse o écran sobre o qual os nossos olhos são obrigados a pousar-se, expectantes da continuação.
O impacto prossegue com a abertura parcial do telão que nos mostra uma prisão subterrânea, e cresce ainda quando na segunda cena o telão sobe completamente para mostrar um cenografia amplia, majestosa, abstracta e neutra.
Graziano Gregori criou, com o seu engenho e inteligência cénica um objeto cenográfico, pelo qual vale a pena ir ver esta «Ermione».
Outro motivo pelo qual esta «Ermione» merece ser vista e ouvida, é o elenco maravilhoso que habita esta cenografia e que tenta, da melhor maneira interpretá-la.
E aqui se acabam as razões de interesse desta producção.
O aparente virtuosismo musical que a direcção de Roberto Abado imprime na orquestra do Teatro Comunale de Bolonha, durante a ouverture, fica-se por aí e a partir do momento em que se abre o telão a ausência de acção musical segue de perto a completa ausência de acção teatral.
Não podemos falar da encenação de Daniele Abado, pois ela é inexistente. As estupendas ideias cenográficas de Graziano Gregori não encontram resposta na direcção de cena, pelo que o resultado é uma bela caixa de fantoches.
Pior ainda, além da monotonia teatral e musical que nos acompanha durante todo o espectáculo, de vez em quando surgem em cena figuras que parecem saír de outra encenação e que em nada ajudam o público a afastar a ideia de que esta producção sofre de um vazio conceptual, ideológico e/ou simbológico.
Estes acidentes cénicos, pontuais e inexplicáveis aparecem como fotografias, devemos precisar que interessantes, mas que não encontram qualquer desenvolvimento e como não têm nada que ver com o resto da obra nos deixam perplexos, aumentando a nossa sensação de que o encenador veio a Pesaro passar férias.
Para além da cenografia, a única coisa que vale a pena nesta «Ermione» é o elenco que a protagoniza, pois os figurinos de Carla Teti, apesar da sua qualidade não têm qualquer interesse e contribuem para a monotonia deste espectáculo: homens vestidos de pseudomilitar elegante e mulheres vestidas de gala antiquada (as gregas) ou de saco de batatas (as troianas). As luzes de Guido Levi não fazem excepção a este vazio conceptual.
Sonia Ganassi interpreta uma Ermione negra e maquiavélica que durante o primeiro acto não convence (e que graças à estética com a qual a vestiram, pentearam e maquiaram, poderia igualmente estar cantando «A Viúva Alegre»), guardando-se para o segundo acto, no qual a sua explosão interpretativa lhe vale a ovação da soirée. O seu partenaire Gregory Kunde,que intepreta Pirro, segue-lhe as pisadas e durante o primeiro acto a sua interpretação é duvidosa, sobretudo vocalmente, devido a sérias dificuldades com os graves, que esquecemos no segundo acto, graças à sua força teatral e belos agudos. As otras estrelas protagonistas da noite são Marianna Pizzolato, excelente Andromaca, cujo autêntico sofrimento e dedicado amor de mãe encontram resposta na fragilidade e unica verdadeira interpretação actoral da noite que é a do jovem Astyanax, figurante infantil; e Antonino Siragusa, um Oreste com um instumento musical de excepção, no auge da sua carreira, e que desde a primeira ária arranca do público os mais sinceros aplausos.
Irina Samoylova, jovem soprano russa, é uma Cleone sem defeitos, dando vontade de a ouvir em papeís mais importantes, assim como a Cefisa de Cristina Faus, jovem mezzosoprano espanhola de grande qualidade.
De maior participação vocal nesta obra temos o baixo-barítono italiano Nicola Ulivieri, um Fenicio maravilhoso, com forte presença cénica e excelentes dotes musicais, e o Pilade de Ferdinand Von Bothmer, tenor alemão, interpretado com delicadeza e sensibilidade. Para fechar este leque de protagonistas excepcionais temos o pequeno papel de Attalo, justamente assumido pelo tenor italiano Riccardo Botta.
O Coro de Câmara de Praga completou vocalmente de forma eficiente esta ópera, com maior esmero e beleza musical na interpretação feminina que masculina.
Para terminar há que fazer referência ao final sensacionalista, que mais uma vez corrobora a ideia de falta de conceito cénico: Pirro degolado - estéticamente diriamos um animal pendurado no talho - o que «provoca» o desmaio de Ermione e o nojo do público. Recursos sensacionalistas parecem-nos válidos, mas não aqui, e sobretudo temos pena de Gregory Kunde que deve receber os aplausos como se tivésse saído de um filme de terror de má qualidade.
E é assim que «Ermione» abre de forma auspiciosa esta edição do Festival, que parece dedicada às obras de Rossini que tiveram mais dificuldades em serem aceites na sua época.



ROSSINI OPERA FESTIVAL
Adriatic Arena – Teatro 1
Pesaro – Itália
10, 13, 16 e 21 de Agosto de 2008, às 20h e 19 de Agosto de 2008 às 20h30.

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