Saturday, March 27, 2010

PRISIONEIROS DE UM CASTELO ENCANTADO




A associação de «Il Prigionero», ópera em um prólogo e um acto de Luigi Dallapiccola, e de «O Castelo de Barba-Azul» de Béla Bartók, que se apresentou de 5 a 14 de Março de 2010 no Het Muziektheater Amsterdam, numa coproducção da De Nederlanse Opera e do Teatro La Scala de Milão, não foi apenas um grande acerto, como um grande triunfo de público e crítica.
Estas duas ópera curtas, de natureza sombría, partilharam palco de maneira inteligente e bem sucedida pela mão do encenador Peter Stein.
Em «Il Prigionero», não só brilharam Paoletta Marrocu no papel de La Madre; o fabuloso Lauri Vasar como Il Prigionero, papel que interpretou de maneira extraordinária, com corpo, alma e voz; Donald Kaasch no duplo papel de Il Carceriere/Il Gran Inquisitore, e os dois Sacerdoti de Marcel Beekman e Nanco de Vries, mas também o esplêndido trabalho de vídeo de Sergio Metalli e a cenografia de Ferdinand Wögerbauer.
Desde o prólogo lamentado de La Madre até à cena final, mortalmente apoteósica, tudo foi cuidado com grande esmero, desde as luzes de Japhy Weideman até aos figurinos de Anna Maria Heinreich, assim como as intervenções off-stage do Nederlands Concertkoor, ilustradas em cena pelo desfilar de setenta e quatro figurantes!
Örs Kisfaludy, o Prólogo de «O Castelo de Barba-Azul» foi um “mestre de cerimónias" excêntrico, numa interpreatção um pouco décalée, talvez pouco adequada ao teor da obra.
Gabor Bretz, com a voz e estatura física apropriadas para ser um grande Duque Barba-Azul, resultou um pouco aborrecido e apagado, apesar do carácter pertinentemente torturado da sua interpretação.
Elena Zhidkova foi uma Judith maravilhosa e é sem dúvida uma das melhores Judiths da actualidade. A sua voz bela e potente, o seu físico perfeito, a sua interpretação por momentos frágil, por momentos apaixonada, e a sua teatralidade que domina o placo de forma omnipresente, faz dela uma intérprete emblemática deste papel complexo.
Agradavelmente surpreedidos pela sua interpretação juvenil, que resultou interessante em contraste com o Barba-Azul envelhecido de Gabor Bretz, talvez caiba criticar alguns momentos de excesso de “coquetterie” da Judith de Peter Stein.
A cenografia de Gianni Dessi esteve correcta e seguiu apropriadamente as necessidades da peça, que respeitou escrupulosamente as didascálias do libretto de Béla Balázs. Um pouco menos felizes foram os figurinos de Anna Maria Heinreich, que sobretudo no vestido de Judith (mas também nos ricamente belos e elaborados figurinos das três esposas-figurantes) criou algo esteticamente simples e coerente mas cenicamente complicado de levar, sobretudo para a personagem activa de Judith, que se viu obrigada a manipular incessantemente o seu traje, nos seus abundantes movimentos pelo palco.
A Residentie Orkest interpretou perfeitamente estas duas obras, dirigida pela batuta do excelente Adam Fischer, que se em alguns momentos pôde cubrir o canto, soube criar todas as nuances destas obras tão distintas.

http://www.dno.nl

Saturday, January 16, 2010

OPERA JOVEM BRILHA EM LISBOA




O Teatro Nacional de São Carlos começou 2010 com a combinação improvável de duas óperas curtas: “L'occasione fa il ladro” de Rossini e “Trouble in Tahiti” de Bernstein. Se aparentemente incongruente, a escolha de Christoph Dammann, actual director do único Teatro Lírico português, foi um acerto. Unidas pela temática pré e pós matrimónio (enquanto no âmbito político e social se discute a validação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, em Portugal), estas producções apresentaram um elenco de jovens cantores (na sua maioria integrantes do Programa Jovens Intérpretes que o Teatro criou recentemente), que são, sem dúvida, algumas das mais promissoras carreiras líricas nacionais (ver internacionais, em alguns casos).
André Heller-Lopes, jovem encenador brasileiro que coordena o Programa de Jovens Intérpretes do TNSC, rodeou-se de uma equipa de jovens criadores para este projecto ambicioso.
A unidade estética que uniu as duas peças foi bem conseguida pela jovem cenógrafa e figurinista Rita Álvares Pereira, que apresentou uma cenografia muito interessante que apesar de ser a mesma para as duas óperas (com inteligentes mudanças de cores e articulação de elementos), conseguiu surpreender até ao final. A nível dos figurinos essa articulação foi talvez menos feliz, com alguns elementos que não foram os mais adaptados aos intérpretes em cena.
André Godinho, jovem videasta, desenvolveu com esmero as ideias propostas na encenação, com imagens de grande qualidade, talvez por momentos demasiado ilustrativas da narração. Mas se o video pecou pela sua omnipresencia (provavelmente um erro de juventude), sobretudo durante o Bernstein, é indiscutível o excelente trabalho deste criador.
Bastante mais pobres foram as luzes de Pedro Martins, que apesar de alguns efeitos divertidos e adequados, nem sempre cumpriram eficazmente a função básica de iluminar os artistas.
Verena Hierholzer, assistente do encenador e coreógrafa, mostrou timidamente as suas qualidades de direcção de movimento, da qual resultaram momentos frescos e divertidos, mas nem sempre assumidos.
As estrelas indíscutíveis desta soirée, são, sem qualquer dúvida, as intérpretes femininas: Raquel Alão foi uma Berenice de excelente qualidade vocal (agudos brilhantes e potentes, com necessidade de aprofundar os graves), pecando apenas pela sua inexperiência teatral, que a levava a cantar as suas árias (apesar de o fazer divinamente), no centro do palco e face ao público, quase sempre numa imobilidade exasperante. Mas por isso é de louvar o TNSC e o seu Programa Jovens Intérpretes que dá a oportunidade a vozes de calibre, como é o caso, para experimentar e aprender num autêntico contexto profissionalizante. Mas se a interpretação desta jovem soprano portuguesa ainda necessita alguns ajustes, este não é o caso das suas colegas Ana Franco e Luisa Francesconi. Ana, que cantou as duas obras: Ernestina no Rossini e parte integrante do Trio no Bernstein, cantou, encantou, dançou, interpretou e maravilhou o público, numa entrega total aos dois papeis. Para além da sua versatilidade interpretativa e físico sublime, a jovem soprano portuguesa possui um instrumento bem treinado e com um belo timbre que esperemos possa vir a ser ouvido pela cena lírica internacional. O mesmo se poderia dizer da mezzo brasileira Luisa Francesconi, que interpretou Dinah, a sofredora esposa de “Trouble in Tahiti”, de maneira perfeita tanto vocalmente como teatralmente. Luisa foi uma Dinah comovente, divertida, sensível, exibindo uma feminilidade refinada, contida e explosiva, numa interpretação cheia de contrastes, totalmente adequada à esposa emocionalmente instável face ao seu matrimónio estéril, que teria deixado feliz ao própio Bernstein.
Um valor incontestável da lírica luso-brasileira que apenas pede uma oportunidade para desabrochar em palcos internacionais.
O elenco masculino foi um pouco mais desequilibrado: João Merino, barítono que foi protagonista nas duas obras – Don Parmenione no Rossini e Sam no Bernstein – mostrou um bom trabalho de actor, mas se a sua prestação em “Trouble in Tahiti” foi excelente, o seu divertido Parmenione teve alguma dificuldade em fazer-se ouvir.
O outro protagonista masculino, João Cipriano, único cantor que não fazia parte do Programa Jovens Intérpretes, foi um Conde Alberto mais que correcto.
A estes juntaram-se João de Oliveira e Marco Alves dos Santos, respectivamente Martino e Don Eusebio em “L'occasione fa il ladro” e ambos fazendo parte do Trio coral de “Trouble in Tahiti”. João, apesar da sua indiscutível veia cómica, mostrou-se timido e menos à vontade vocalmente no papel buffo de Rossini, enquanto Marco esteve muito à vontade tanto como alcoólico em cadeira de rodas (Don Eusebio) como na multiplicidade de personagens que habitou no Bernstein.
No pupitre, o também jovem maestro Moritz Gnann, dirigiu correctamente a Orquestra Sinfónica Portuguesa, apesar da tendência repetida de pôr a música orquestral à frente da vocal, tapando muitas vezes os cantores, no que esperemos seja um erro de juventude – pois se vamos à Ópera é para ver e ouvir obras de teatro lírico, e não simplesmente para ouvir música sinfónica, por mais bela que seja.
André Heller-Lopes conseguiu tirar proveito dos talentos dos seus artistas, conseguindo um espectáculo dinâmico e fresco, e criou uma ponte temática entre estas duas obras que raramente poderemos apreciar juntas.
Um espectáculo a não perder, que poderemos ver ao longo da temporada:
13, 15 e 17 de Janeiro de 2010
5 de Março de 2010
27 de Abril de 2010
19, 21 e 23 de Maio de 2010.
http://www.saocarlos.pt/

Wednesday, January 6, 2010

PURCELL TRIUNFANTE




O Teatro do Capitole de Toulouse começa o ano com uma maravilhosa apresentação de “King Arthur or The British Worthy” excelente «dramatick opera» como a catalogou o seu autor, Henry Purcell.
Infelizmente, ou felizmente, Frédéric Chambert apostou por uma versão de concerto. Felizmente, porque a música de Purcell é de tal maneira extraordinária, e foi tão maravilhosamente interpretada por Les Talens Lyriques de Christophe Rousset e pelos cantores, que para ver alguma interpretação “maladroite” de um encenador “quelconque”, mais valeu mesmo esta versão concerto.
Esta obra, com libreto de John Dryden, actualmente considerada como uma semi-ópera, é composta por Prólogo, cinco Actos e um Epílogo, nos quais a acção é contada por um actor-recitante (interpretado sem grande interesse por Olivier Simonnet, que instalou no seu discurso demasiadas pausas desnecessárias – aqui sim, foi bem patente a ausência de uma direcção de actores).
Os protagonistas da história (Rei Arthur, Merlin, Emmeline a bem amada do Rei, Oswald o chefe Saxão e inimigo jurado do rei, Osmond feiticeiro das forças inimigas, etc) não são cantores, destinados a serem interpretados por actores em momentos dançados e de pantomima, sendo os cantores personagens mais ou menos secundárias e corais, como Philidel, espírito do Ar e auxiliador de Arthur, Grimbald, espírito da Terra, colaborador de Osmond, Cupido, Vénus, Britannia, soldados, pastores, Sereias, Ninfas e outros génios e espíritos da Natureza.
Para representar estes seres da lenda arturiana o director musical Christophe Rousset rodeou-se de um elenco de especialistas de grande qualidade: As sopranos Judith van Wanroij e Céline Scheen mostraram-se mais que perfeitas na sua interpetação vocal, vibrando com a música desde o primeiro ao ultimo compasso.
Pascal Bertin, conhecido alto masculino francês cantou e encantou com a sua bela presença cénica e delicadeza vocal.
Emiliano González Toro, tenor que nos habituámos a ver nas producções do Teatro do Capitole, apesar de um físico que começa a parecer desavantajado, mostrou-se completamente à vontade neste repertório e é um valor seguro da lírica actual, que seguramente vai dar que falar (esperemos que não continue a engordar).
Dois tenores mais se juntam a esta palete de cantores, o genial e super expressivo tenor noruego Magnus Staveland, que cantará Ferrando de “Così fan tutte” em Paris e em Lisboa, dirigido por René Jacobs, Flavio de “Norma” em Granada e Aret de “Philemon e Baucis” no Teatro Real de Madrid (só para dizer algumas das representações mais acessíveis da temporada 2009-2010), e o francês David Lefort.
A completar este elenco de élite tivemos o jovem barítono Christophe Gay, que pecou por alguma falta de graves numa partitura que se mostrou não totalmente adequada ao seu registo, apesar da sua prestação elegante, e do extraordinário barítono-baixo Douglas Williams que interpretou de maneira exemplar o Génio do Frio, vocalmente perfeito, e que dirigido pela mão maestra de Christophe Rousset conseguiu impressionar-nos e talvez mesmo dar-nos alguns escalofrios! Um jovem cantor cuja promissora carreira é fundamental seguir.
O ensemble de Les Talens Lyriques estiveram de parabéns conseguindo altos momentos de grande intensidade dramática.
Um grande momento a não perder.

5 e 6 de Janeiro 2010 – Halle aux Grains de Toulouse (programação Teatro do Capitole “hors les murs”)
http://www.theatre-du-capitole.fr/?lang=fr

23 de Janeiro 2010 – Sala Pleyel de Paris
http://www.sallepleyel.fr/francais/accueil.aspx

El Ultimo Sacrificio


La reposición de «Le Dialogue des Carmélites» de Poulenc, con la puesta en escena de Nicolas Joel, por lo especifico de su texto, contó con un elenco mayoritariamente francófono. Y si esta elección por parte del teatro, resultó en que no hubiera ninguna estrella del canto internacional, al mismo tiempo el elenco fue homogéneo y de gran calidad, con nombres bien conocidos del público francés y tolosino. Entre los protagonistas masculinos destacaron; el Marquis de la Force de Nicolas Cavallier, que debutaba en el papel, Léonard Pezzino como Aumônier du Carmel y sobre todo el Chevalier de Gilles Ragon, Tenor francés de gran calidad, con voz vibrante y fraseado espléndido, que esperemos un dia el publico español pueda descubrir.
Pero la gran fuerza de esta función residió sin duda en las interpretaciones femeninas, y aunque el rol de Blanche, protagonizado discretamente por Sophie Marin-Degor, resultara más correcto que brillante, a pesar de (y quizás por) la complejidad del personaje, todas las otras monjas fueron de gran fuerza vocal y dramática: empezando por la Madame de Croissy de Sylvie Brunet, impecable. Madame Lidoine de Isabelle Kabatu, soprano belga que cantará con Plácido Domingo en su gira por Japón, fue simplemente perfecta. Susanne Resmark que debutó en el rol de Mère Marie lo hizo con acierto y gran inteligencia, y queda resaltar la Soeur Constance de Anne-Catherine Gillet qué brilló vocalmente y destacó por su sutileza interpretativa.
El todo fue muy bien dirigido por el maestro Patrick Davin.

Noviembre 2009, TEATRO DEL CAPITOLE - TOULOUSE
(foto copyright Patrice Nin)

SIMON BOCCAGRIS


El Capitole, bajo la nueva dirección de Frédéric Chambert, abrió su temporada, que se presentará en su totalidad hors les murs, en La Halle aux Grains, con una nueva producción de «Simon Boccanegra» de Verdi.
Para tal se invitó el director de escena Jorge Lavelli, que no había vuelto a la capital de Midi-Pirinéus para dirigir una ópera desde su Fidelio en 1977.
Esta nueva producción planteó un justo equilibrio entre el escenario atípico de La Halle aux Grains, circular y con publico en todo el alrededor,y el foso.
Marco Armiliato dirigió la orquesta del Capitole con un pulso justo y una sensibilidad estupenda.
En el escenario, a pesar de una estética sombría, brilló un elenco fuerte tanto vocalmente como teatralmente: el Simon del excelente barítono polaco Andrzej Dobber, la Maria de la extraordinaria soprano griega Alexia Voulgaridou, el Gabriele de Stefano Secco, tenor que el publico español podrá seguramente volver a ver en el Macbeth de Bilbao, en la proxima temporada. Pero esta obra es una obra grave de Verdi, y para tal marcaron presencia las voces de los bajos Arutjun Kotchinian como Jacopo Fiesco, Yuri Kissin como Pietro, y el sobresaliente Paolo Albiani del barítono americano Robert Bork.
El minimalismo escenografico y luminotecnico contribuyeron a una estetica oscura, de un modernismo un poco vetusto, que en momentos sirvió perfectamente la obra pero en otros la tornaron morosa y pesante.

Octubre 2009, TEATRO DEL CAPITOLE - TOULOUSE