Saturday, January 16, 2010

OPERA JOVEM BRILHA EM LISBOA




O Teatro Nacional de São Carlos começou 2010 com a combinação improvável de duas óperas curtas: “L'occasione fa il ladro” de Rossini e “Trouble in Tahiti” de Bernstein. Se aparentemente incongruente, a escolha de Christoph Dammann, actual director do único Teatro Lírico português, foi um acerto. Unidas pela temática pré e pós matrimónio (enquanto no âmbito político e social se discute a validação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, em Portugal), estas producções apresentaram um elenco de jovens cantores (na sua maioria integrantes do Programa Jovens Intérpretes que o Teatro criou recentemente), que são, sem dúvida, algumas das mais promissoras carreiras líricas nacionais (ver internacionais, em alguns casos).
André Heller-Lopes, jovem encenador brasileiro que coordena o Programa de Jovens Intérpretes do TNSC, rodeou-se de uma equipa de jovens criadores para este projecto ambicioso.
A unidade estética que uniu as duas peças foi bem conseguida pela jovem cenógrafa e figurinista Rita Álvares Pereira, que apresentou uma cenografia muito interessante que apesar de ser a mesma para as duas óperas (com inteligentes mudanças de cores e articulação de elementos), conseguiu surpreender até ao final. A nível dos figurinos essa articulação foi talvez menos feliz, com alguns elementos que não foram os mais adaptados aos intérpretes em cena.
André Godinho, jovem videasta, desenvolveu com esmero as ideias propostas na encenação, com imagens de grande qualidade, talvez por momentos demasiado ilustrativas da narração. Mas se o video pecou pela sua omnipresencia (provavelmente um erro de juventude), sobretudo durante o Bernstein, é indiscutível o excelente trabalho deste criador.
Bastante mais pobres foram as luzes de Pedro Martins, que apesar de alguns efeitos divertidos e adequados, nem sempre cumpriram eficazmente a função básica de iluminar os artistas.
Verena Hierholzer, assistente do encenador e coreógrafa, mostrou timidamente as suas qualidades de direcção de movimento, da qual resultaram momentos frescos e divertidos, mas nem sempre assumidos.
As estrelas indíscutíveis desta soirée, são, sem qualquer dúvida, as intérpretes femininas: Raquel Alão foi uma Berenice de excelente qualidade vocal (agudos brilhantes e potentes, com necessidade de aprofundar os graves), pecando apenas pela sua inexperiência teatral, que a levava a cantar as suas árias (apesar de o fazer divinamente), no centro do palco e face ao público, quase sempre numa imobilidade exasperante. Mas por isso é de louvar o TNSC e o seu Programa Jovens Intérpretes que dá a oportunidade a vozes de calibre, como é o caso, para experimentar e aprender num autêntico contexto profissionalizante. Mas se a interpretação desta jovem soprano portuguesa ainda necessita alguns ajustes, este não é o caso das suas colegas Ana Franco e Luisa Francesconi. Ana, que cantou as duas obras: Ernestina no Rossini e parte integrante do Trio no Bernstein, cantou, encantou, dançou, interpretou e maravilhou o público, numa entrega total aos dois papeis. Para além da sua versatilidade interpretativa e físico sublime, a jovem soprano portuguesa possui um instrumento bem treinado e com um belo timbre que esperemos possa vir a ser ouvido pela cena lírica internacional. O mesmo se poderia dizer da mezzo brasileira Luisa Francesconi, que interpretou Dinah, a sofredora esposa de “Trouble in Tahiti”, de maneira perfeita tanto vocalmente como teatralmente. Luisa foi uma Dinah comovente, divertida, sensível, exibindo uma feminilidade refinada, contida e explosiva, numa interpretação cheia de contrastes, totalmente adequada à esposa emocionalmente instável face ao seu matrimónio estéril, que teria deixado feliz ao própio Bernstein.
Um valor incontestável da lírica luso-brasileira que apenas pede uma oportunidade para desabrochar em palcos internacionais.
O elenco masculino foi um pouco mais desequilibrado: João Merino, barítono que foi protagonista nas duas obras – Don Parmenione no Rossini e Sam no Bernstein – mostrou um bom trabalho de actor, mas se a sua prestação em “Trouble in Tahiti” foi excelente, o seu divertido Parmenione teve alguma dificuldade em fazer-se ouvir.
O outro protagonista masculino, João Cipriano, único cantor que não fazia parte do Programa Jovens Intérpretes, foi um Conde Alberto mais que correcto.
A estes juntaram-se João de Oliveira e Marco Alves dos Santos, respectivamente Martino e Don Eusebio em “L'occasione fa il ladro” e ambos fazendo parte do Trio coral de “Trouble in Tahiti”. João, apesar da sua indiscutível veia cómica, mostrou-se timido e menos à vontade vocalmente no papel buffo de Rossini, enquanto Marco esteve muito à vontade tanto como alcoólico em cadeira de rodas (Don Eusebio) como na multiplicidade de personagens que habitou no Bernstein.
No pupitre, o também jovem maestro Moritz Gnann, dirigiu correctamente a Orquestra Sinfónica Portuguesa, apesar da tendência repetida de pôr a música orquestral à frente da vocal, tapando muitas vezes os cantores, no que esperemos seja um erro de juventude – pois se vamos à Ópera é para ver e ouvir obras de teatro lírico, e não simplesmente para ouvir música sinfónica, por mais bela que seja.
André Heller-Lopes conseguiu tirar proveito dos talentos dos seus artistas, conseguindo um espectáculo dinâmico e fresco, e criou uma ponte temática entre estas duas obras que raramente poderemos apreciar juntas.
Um espectáculo a não perder, que poderemos ver ao longo da temporada:
13, 15 e 17 de Janeiro de 2010
5 de Março de 2010
27 de Abril de 2010
19, 21 e 23 de Maio de 2010.
http://www.saocarlos.pt/

2 comments:

Anonymous said...

Parabens Ana Franco , continuas a encantar o Público , como o fazias em criança. Lena

Anonymous said...

Parabens Marco és muito bom e mereces todos os elogios . Bjs Lena